Tomada de Perspectiva

A Teoria das Molduras Relacionais (RFT) possibilita importantes contribuições no campo de pesquisa analítico-comportamental da linguagem e cognição. Uma das relações investigadas por esta teoria, especialmente relevante para intervenções em TEA, é denominada “relações dêiticas”. As relações dêiticas referem-se a distinção entre o indivíduo e outras pessoas (interpessoal), objetos e eventos de modo espacial e temporal (“EU-VOCÊ”, “AQUI-AÍ” e “AGORA-DEPOIS”). 

O comportamento empático depende, portanto, de um histórico de aprendizagem de relações dêiticas. A tomada de perspectiva é a base das habilidades sociais, como empatia (“EU-VOCÊ”) e interpretação de indicadores sociais, dificuldades comuns do TEA. Envolve três compreensões importantes, a saber: “pessoas diferentes podem ver coisas diferentes”, “duas pessoas podem ver o mesmo objeto diferentemente” (a depender da posição espacial de quem vê) e “ver leva a saber” (predizer com base na informação visual). 

Um estudo do ano de 2004 publicado por McHugh, Barnes-Holmes e Barnes-Holmes utilizou um protocolo (Barnes-Holmes) desenvolvido com base na RFT para analisar o desempenho em tarefas de tomada de perspectiva em indivíduos neurotípicos e indivíduos com TEA, avaliando as relações dêiticas em suas dimensões. O protocolo Barnes-Holmes contém 62 questões que envolve as três molduras dêiticas e combinações delas, delineando diferentes níveis de complexidade. Cada enunciado apresenta as informações objetivamente e constam duas perguntas relacionadas como nos exemplos a seguir: 

  • Exemplo 1: Relações simples – “EU-VOCÊ” – “Eu tenho um tijolo vermelho e você tem um tijolo verde. Qual tijolo eu tenho? Qual tijolo você tem? 
  • Exemplo 2: Relações revertidas – “AQUI-AÍ” – “Eu estou sentado aqui em uma cadeira azul e você está sentado em uma cadeira preta. Se aqui fosse aí e aí fosse aqui, onde eu estaria sentado? Onde você estaria sentado?” 
  • Exemplo 3: Relações revertidas – “AGORA-NAQUELE MOMENTO” – “Ontem eu estava assistindo TV. Hoje eu estou lendo. Se ontem fosse hoje e hoje fosse ontem, o que eu estaria fazendo agora? O que eu estaria fazendo ontem?” 
  • Exemplo 4: Relações duplamente revertidas – “EU-VOCÊ/AQUI-AÍ” – “Eu estou aqui sentado na cadeira azul e você está sentado aí na cadeira preta. Se eu fosse você e você fosse eu e aqui fosse aí e aí fosse aqui, onde eu estaria sentado? Onde você estaria sentado?” 

Foi constatado que a taxa de erros de neurotípicos na realização das tarefas cai com a progressão de idade, sendo a dificuldade para tal mais frequente em crianças com até quatro anos de idade. No caso do TEA, a dificuldade se estende às demais faixas etárias. O dado, no entanto, não implica dependência de maturação biológica; há diversos estudos favoráveis ao histórico de aprendizagem, que demonstram que pessoas com TEA são capazes de desenvolver habilidades perspectivas com o treino adequado como o protocolo mencionado. 

Por Maria Paula Wunderlich 

Referências 

DE ALMEIDA, João H; SILVEIRA, Carolina C; ARAN, Jaume F. Tomada de Perspectiva como Responder Relacional Derivado: experimentos com indivíduos com desenvolvimento típico e atípico. Comportamento em foco, São Paulo, v. 6, p. 102-115, 2017. Disponível em <http://abpmc.org.br/arquivos/publicacoes/15073093155e77f45773d.pdf>. acesso em 20 set. 2021. 

VILARDAGA, Roger. A Relational Frame Theory Account of Empathy. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, Nevada, Reno, v. 5, n. 2, p. 178-184. 2009. Disponível em <https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ880556.pdf>. acesso em 20 set. 2021.