
Na perspectiva da análise do comportamento, a leitura e a escrita são classificadas como comportamentos verbais, que por sua vez são um tipo de comportamento operante. A leitura e a escrita, por definição, dependem da mediação de uma comunidade verbal e exerce modificações no ambiente, que podem ser reforçadas ou não, sujeitas aos padrões estabelecidos pela comunidade.
Uma análise funcional não compreende a leitura e a escrita como comportamentos em si, mas como um conjunto de respostas que envolvem as habilidades necessárias para a execução destas tarefas, cujo produto é o que conhecemos como “ler” e “escrever”, repertórios distintos que inevitavelmente passam a se interligar no processo de alfabetização gerando o que denominamos “rede de relações”. Cabe a análise identificar e descrever os repertórios envolvidos e as relações que os compõem.
A relação base é o controle de estímulos, com estímulos discriminativos de natureza visual ou tátil (Braille) que eliciam respostas verbais, que podem ser vocais ou gestuais, como no caso da linguagem de sinais. O texto exerce a função de estímulo discriminativo para a emissão da resposta verbal (comportamento textual) através de uma correspondência ponto a ponto entre cada partícula textual e sua vocalização adequada.
Nota-se a importância de ressaltar que o comportamento textual não implica “leitura”, isto é, compreensão de textos. “A relação de controle de estímulo entre texto e respostas verbais é uma condição necessária, embora não suficiente, para a compreensão.” (DE ROSE, 2012).
Na escrita alfabética, as partículas são as letras e fonemas que compõem as palavras. É imprescindível que o indivíduo seja ensinado a discriminar partículas e não palavras inteiras, pois isso possibilitará a leitura de novas palavras sem que haja treinamento específico para tais palavras com a recombinação das partículas aprendidas.
Embora o aperfeiçoamento da discriminação entre letras (por exemplo, entre as letras “b”, “p” e “q”, essencialmente o mesmo signo em orientações espaciais distintas) seja comumente associado a maturação, dados sugerem fortemente que “esta dificuldade das crianças é resultado de aprendizagem. Toda a história anterior da criança a leva a desconsiderar esta dimensão, porque ela é irrelevante para a discriminação de objetos.” (DE ROSE, 2012). O foco da intervenção comportamental é na aprendizagem formal, porém se reconhece a importância do contato informal com textos. Este contato “estabelece contingências para uma aprendizagem discriminativa.” (DE ROSE, 2012). Quanto mais frequente e previamente o contato ocorrer, mais facilmente ocorrerá a discriminação.
Dois componentes do repertório de leitura cuja negligência costuma ocasionar dificuldades envolvem a escuta do próprio comportamento verbal (leitura em voz alta), possibilitando a autocorreção, e o correto movimento dos olhos para que as palavras sejam lidas no sentido adequado.
A escrita, com suas diversas modalidades, fundamenta-se em três componentes. O primeiro deles são as respostas motoras específicas para delinear as letras e organizá-las no espaço do papel. Nota-se que um indivíduo que possui dificuldades na escrita cursiva pode executar melhor uma escrita mais simplificada como a escrita de forma ou até mesmo escrever utilizando um teclado.
O repertório de transcrição engloba a cópia e o ditado. A cópia, reprodução dos estímulos textuais, é um excelente treino de respostas motoras sob controle de estímulos gráficos (visuais). O controle do ditado, mais complexo, é exercido por estímulos auditivos e exige discriminação adequada entre os fonemas que muitas vezes podem não corresponder à sua forma escrita convencionada. Os estímulos vocais (auditivos), portanto, controlarão respostas cujo produto serão estímulos gráficos.
A compreensão dos componentes envolvidos na aprendizagem da leitura e da escrita demonstra que a alfabetização é possível a todos com a intervenção adequada, ajustada ao ritmo de aprendizagem de cada indivíduo e que supre as necessidades de pré-requisitos para o desenvolvimento das habilidades.
Por Maria Paula Wunderlich
Referências
BARROS, Romariz da Silva. Uma introdução ao comportamento verbal. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo, v. 5, n. 1, p. 73-82, jun. 2003. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452003000100008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 ago. 2021.
ROSE, Júlio C. de. Análise Comportamental da aprendizagem de leitura e escrita. Revista Brasileira de Análise do Comportamento, [S.l.], v. 1, n. 1, p. 29-50, jan. 2012. ISSN 2526-6551. Disponível em: <https://periodicos.ufpa.br/index.php/rebac/article/view/676>. Acesso em: 25 ago. 2021. doi:http://dx.doi.org/10.18542/rebac.v1i1.676.